quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

Momento de reflexão (ou: como me aproximar da ação?)

Foto: Pati Almeida


Há algum tempo venho observando e analisando certas coisas, dentre elas o modo como vem se desenvolvendo a participação cidadã em Salvador. Até sofro a pressão de alguns amigos por participar de alguns movimentos, aderir a algumas causas, para somar, de alguma maneira. Mas, talvez essa minha exigência pessoal de que as pessoas aprendam de fato a participar desses movimentos, e talvez nesse ponto eu não esteja sendo tolerante com o processo de aprendizagem, acaba por me afastar dos movimentos, infelizmente, o que me tira também a possibilidade de aprender a participar.

Um parêntese: não tenho a pretensão de me julgar certa, é apenas uma questão de opinião de quem nem ao menos se “abriu” para o exercício, diga-se de passagem! Sendo assim, pode ser uma “fala” cujo crédito pode ser desconsiderado! Também não pretendo julgar, ainda que nosso discurso sempre tenda para algo do tipo, mas apenas analisar e refletir.

O que tenho visto, principalmente através da rede social facebook, são pessoas que estão dispostas a mudar os rumos de suas cidades e, em particular, em Salvador, uma forma curiosa de participação, onde as pessoas acabam entrando num enfrentamento de concepções e posições acerca de tudo, o que, na minha opinião acaba enfraquecendo os próprios movimentos. Não que o embate de idéias e opiniões necessite ser horizontal, sem contradições, não seria ele legítimo se assim não fosse! Mas penso que muitos desses movimentos ainda estão num processo inicial e ainda incipientes como causa social, quando vemos fóruns nos quais impera a discussão com foco mais partidário, mais individualista e auto-centrado, do que com uma visão mais ampla das situações, contribuindo para melhorar a qualidade das decisões através do debate público e da construção de alternativas.

Parece-me que determinadas questões e ações se colocam na contramão do desenvolvimento de políticas públicas, que seriam de fato mais efetivas, para ficar no âmbito do “ser contra”, de um modo bem simplista e até mesmo ingênuo, no que se refere à construção da sociedade política.

Questiono algumas posições, que acabam se voltando contra o próprio cidadão, uma “briga de foice”, o que acaba mudando o foco da ação, dando a ela um caráter mais individualista ou de classes, ao invés de coletivo. Acompanhei muitas mobilizações e discussões nesse sentido. Posso dar alguns exemplos, o próprio MOVIMENTO DESOCUPA, da praça de Ondina, e posteriormente o DESOCUPA JOÃO, este último encontra-se numa tentativa de se fortalecer, ampliando o debate para questões importantes de interesse público.

Há quanto tempo os espaços públicos de Salvador são ocupados por camarotes? É mesmo a primeira vez que isso acontece, ou não estivemos atentos outras vezes? Há quanto tempo o carnaval de Salvador deixou de ser democrático, apertando cada ano que passa o folião que não tem acesso aos blocos e suas cordas e aos camarotes, estando sujeitos à barbárie? Há quanto tempo a especulação imobiliária atua em Salvador, os empreendimentos são construídos sem licenças ou com licenças obtidas de modo escuso, como no caso da expansão imobiliária na Paralela? Há quanto tempo Salvador vive situações de violência urbana e graves violações dos direitos humanos? Há quanto tempo tem aumentado a baixa credibilidade das instituições de segurança e Justiça junto à população? Há quanto tempo essa questão do despreparo das forças policiais para o enfrentamento do crime e das altas taxas de impunidade faz parte do nosso cotidiano? Há quanto tempo temos governantes que não nos representam de fato e nem atendem às inúmeras demandas sociais, por educação, saúde, segurança, dentre outras? Há muito tempo!

Poderia enumerar aqui centenas de outros exemplos que têm causado indignação e mobilizado parte da população a ir às ruas. O que tem mobilizado a minha reflexão é o modo como a maioria delas acontece e como as pessoas constroem seus discursos, nem me refiro às ações, que acabam sendo sufocadas antes mesmo de se chegar a consensos importantes para a condução das decisões.

Recorro aqui a algumas idéias de Elenaldo Teixeira (in memoriam), doutor em Ciência Política pela USP, ex-professor e pesquisador do departamento de Ciência Política da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da UFBA, no seu livro Sociedade Civil e Participação Cidadã no Poder Local. Segundo o autor, “Esta participação não se dá no vácuo nem nas instituições da sociedade política [e sim civil]. Constitui-se de ações que se realizam de forma organizada e planejada ou, às vezes espontânea, numa relação contraditória entre os diversos atores.” Isto para mim está claro, aqui temos vivido as situações mais espontâneas, em poucos casos se estendendo para aquelas que abrem espaço para discussões mais planejadas, como tem sido o caso do MOVIMENTO DESOCUPA, que iniciou de forma espontânea e hoje tem promovido arenas de debate entre os que se mostram interessados nas mudanças. Penso que seja agora necessário a adesão de mais pessoas, vinculadas à estrutura do Estado, com representação da sociedade civil, para que se possa pensar em formulação de proposições e questionamento das ações e decisões, ao contrário de parar na fase do debate e gerar frustração pela ausência de alcance de objetivos efetivos. Mas, para isso, é preciso ainda amadurecer a discussão em torno do foco que se pretende, que me parece ser a LOUS e o PDDU de Salvador, lembrando que são dois temas que podem incluir outras discussões envolvendo moradia e transporte, por exemplo.

[Talvez meu discurso não siga uma direção única, no sentido do objetivo: analisar a forma de participação, mas sigo tentando!] O autor traz ainda uma caracterização do fenômeno da participação, que segundo ele, pode ser direta ou indireta, institucionalizada ou “movimentalista”, mas chama a atenção que esta última é mais voltada para a expressão, ainda que possa ter impacto ou influência no processo decisório, e tem um caráter mais simbólico na cena política, apesar de sua importância na formação da opinião. E sobre isso, me conforta este trecho: “Não se trata, portanto, de valorizar uma ou outra dessas polaridades, mas de considerá-las quanto à sua possibilidade de fortalecer e aprofundar a democracia, e quanto à limitações para torná-la efetiva, independente das formas de que se pode revestir, a participação significa “fazer parte”, “tomar parte”, “ser parte” de um ato ou processo, de uma atividade pública, de ações coletivas. A referência “à parte” implica pensar o todo, a sociedade, o Estado, a relação das partes entre si e destas com o todo. Como esse todo não é homogêneo, as partes têm interesses, aspirações, valores e recursos de poder diferenciados. Diante disso, coloca-se o problema de como responder aos interesses gerais em face do particularismo e do corporativismo dos atores.” Eis o cerne da questão! Através de discussões, negociações, argumentações que possam levar a consensos, e esses, por sua vez, possam se traduzir em decisões no sistema político, o que exige procedimentos e comportamentos racionais.

Tarefa complexa esta, e penso que o nosso desafio está exatamente nesse ponto. Creio que o exercício dos atores não consegue avançar tanto, ter tanta adesão, talvez pela fragilidade de selecionar as prioridades e torná-las transparentes, somado à dificuldade de entendimento e consenso entre os mesmos. Talvez nos falte o que o autor chama de “lógica estratégica”, e muitas são as razões para não a termos, a própria cultura política e seu desenvolvimento histórico pode ter favorecido para esta ausência, onde o próprio sistema participativo, historicamente, configurou-se num regime de democracia competitiva.

O processo de participação é um fenômeno muito complexo e merece que nos debrucemos para compreender todos os elementos que o envolvem. O livro que citei é um excelente apoio nesse sentido!

E nesse exercício de participação se experimenta PARTICIPAR [independente do “há quanto tempo”. Antes tarde do que nunca!].

Aprendamos todos!