quarta-feira, 2 de setembro de 2009

um lugar que já foi meu



Essa saudade da Lapa, que ando sentindo, na verdade é saudade de um tempo! Dia desses, num desses passeios que dou pelo universo bloguiano, li essa frase da Alexandra Monteiro: “Nenhuma cidade é nossa com facilidade: a pertença chega com o mesmo vagar dos musgos”. Curioso... Pensar no tempo “vendo-o” de longe, não percebemos esse vagar, mas concordo que seja assim! É como se ele (o tempo) tivesse corrido, isso sim, feito trem-bala, e a estação é o hoje (é aqui que encontro os musgos). E nesse congestionamento das memórias, me pego a freqüentar de novo aquelas ruas, as ruas em que passaram os meus avós, os meus pais, irmãos, tios e primos, amigos...
A cidade é um acúmulo de imagens sobrepostas: o velho no novo e o novo no velho! E a gente existe na composição dessas imagens, paisagens. E assim se vai tecendo a história dela, da cidade, que é um conjunto das histórias das pessoas e do que elas fazem, experimentam, produzem, vivem. O lugar.
Estive lá apenas por um dia, depois de três anos! Tão injusto dar tão pouco tempo pra memória! Uma crueldade... Logo ao chegar, o morro, de longe, me recebe, como se dando as boas-vindas. Percorro o mesmo trajeto da escola pra casa. Agora parece tão mais perto! Na boca o sabor do geladinho de manga, que só quem provou é que sabe. Viro a esquina e vejo o clube - os primeiros carnavais – fantasias, máscaras, blocos, bandas e marchinhas, que nem ouvimos mais.

Ainda não tinha percorrido nem um terço das paredes da memória, que parecia que se movimentava como em turbilhão, suspeitando, já, que teria poucas horas pra vivenciar de perto as lembranças, trabalhando no embaraço de tanta imagem que ia surgindo, fazendo bagunça na cabeça!
E assim foi essa ida, rápida como os raios que eu via por lá, quando era criança ainda, e minha vó alertava: “Toma cuidado, menina! Fica atenta ao trovão! Depois dele sempre relampeja, e relâmpago é perigoso!”. Mas eu não tinha medo, não! Gostava mesmo era de tomar banho de chuva no quintal! Mas no dia que um raio derrubou o pé-de-limão, aí sim, senti um medinho só!
As visitas habituais seriam certas, como foram. Ir à gruta do Bom Jesus da Lapa. As cenas, quase que pitorescas, dos romeiros, envolvidos com suas orações, promessas e pagamento delas.
Como o clima ainda é de romaria por lá, a cidade não se desfez desse cenário. Na porta da gruta, muitas barracas dos ambulantes. A memória viaja de novo, lembrando da infância, quando conheci as primeiras literaturas de cordel. Ficava encantada com aqueles homens enfeitados com acessórios de couro, chapéu, gibão e viola na mão, desenrolando com tranqüilidade versos engraçados, cheios de rima, com um forte conteúdo sertanejo nas histórias, no sotaque...
Ir à casa onde moraram os avós... Ali, até cheiro eu senti, do “malassado” que minha avó preparava, delicioso! Ah, lembranças boas! Quando criança, a casa me era enorme! Agora, como parece pequena... E o vazio dela (lá já não mora mais ninguém) ressaltou a completude que foi ter tido os avós que tive, que embora não estivessem ali, agora, a memória tratou logo de povoar toda a ausência! Fechei os olhos e esbarrei comigo, pequena, correndo ao redor da casa. Tropeçei em mim e voltei.
Ficaria aqui, contaria tantas outras histórias... Sobre um tecido de retalhos, cosido com a linha do tempo!
Por hora, tomo um café e penso: num tempo, aquele foi o meu lugar!

(...)
"Por isso gosto tanto de me contar
Por isso me dispo
Por isso me grito...”
Drummond





Um comentário:

Kiko Lisboa (Marquinhos) disse...

Engraçado, as mesmas imagens me vêm quando vou em Lapa. A cidade que era minha agora só encontro em minhas lembranças. E dentre elas, as melhores envolvem a chuva, o que era e ainda é raro acontecer naquelas bandas. Talvez por conta desse ineditismo é que a chuva, o cheiro da terra molhada, raios, trovões, o vento e o barulho da agua caindo no telhado, onde quer que presencie, me levam de volta a Praça do Livro, 365, Centro, a casa onde cresci e aprendi a ter contato com todo esse mundo mágico aos meus olhos de menino (e na minha memória de adulto) que só uma cidade de romaria no sertão pode oferecer e que você descreve tão bem nessa sua postagem.
Voltei no tempo agora, aos domingos de matineé no Cine Marabá, á missa das crianças (mesmo eu sempre querendo ir na dos jovens, uma hora depois. O que quando pude ir, perdi o gosto pelo evento), às tardes na Praça Marechal Deodoro depois do cine, às idas furtivas ao cais pra ver o Rio São Francisco passar, pra ver o Benjamim Guimarães, ao Colégio São Vicente (só come bosta quente...), aos torneios intercolegiais na quadra da Codevasf...
São boas lembranças de uma cidade que foi e sempre será minha, na qual eu tenho a grande felicidade de ter vivído e ainda guardo dentro de mim.